«Gosto de pensar na minha língua como um mosaico de variantes, uma rede com múltiplos centros. Gosto de honrar a sua origem, chamando-lhe portuguesa, mas também de descolonizá-la, dizendo-a propriedade e posse de brasileiros, africanos e asiáticos. Gosto de lembrar que Moçambique independente fez mais pela disseminação do seu uso do que décadas e décadas de colonialismo lusitano. Gosto de chamar-lhe língua angolana, língua moçambicana, língua brasileira, gosto de senti-la irmã dos crioulos e do tétum. Gosto de saber que serviu para a resistência timorense e para a construção da identidade nacional em Angola e Moçambique. Gosto de perceber o tanto que deve a João Guimarães Rosa, Clarice Lispector ou Luandino Vieira. Sim, gosto de dizer língua de Mia Couto em vez de dizer língua de Camões, o Camões apreciaria constatar que muitos outros, depois dele, a trabalharam e reinventaram. Gosto de sentir como é diferente na boca de um brasileiro, como a camponesa da Zambézia que (disse o Mia) a fala a corta-mato lhe acrescenta um valor próprio e incontornável. Gosto desta maneira como a língua aplica o grande preceito pessoano – Sê plural como o universo – e na pluralidade faz assentar a sua singularidade sistémica. Gosto de imaginar que a comunicação entre europeus, latino-americanos, asiáticos e africanos continuará a fazer dela uma única língua, porque só essa vontade de falarmos uns com os outros e frequentarmos as recíprocas literaturas nos habilita ao mesmo condomínio idiomático.»

https://www.portugal.gov.pt/download-ficheiros/ficheiro.aspx?v=feda6410-c2c2-42ce-a1b5-7f299886ba29 

 

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